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            Capítulo 28 

            Cupertino – EUA 

            Abril  

      Durante dias Blake andou pela casa vasculhando cada cômodo discretamente. Procurava os objetos que o assassino das bonecas levou das vítimas. Coisas que ligariam Lescaut definitivamente aos assassinatos. Tinha certeza de que encontraria algo. Um assassino sempre guardava seus souvenires em um local de difícil acesso, mas perto o bastante para alcançá-los quando a mente doentia necessitasse reviver os feitos bizarros. 

        Sabia que havia boas chances de tais provas estarem naquela casa e esperava encontrar qualquer coisa que pudesse acabar com aquele impasse. Se encontrasse algo retomariam o julgamento e a história ridícula de gêmeo terminaria. Passou pelo corredor e ouviu o casal discutindo.  

           Parou em frente a porta. Não dava para entender o que falavam. Usavam outro idioma como sempre, mas era uma discussão confirmou um tanto surpreso. Já estava ali há duas semanas e era a primeira vez que isso acontecia.                         Lescaut andava tenso desde que o advogado viajou para Londres. Não sabia exatamente o que Melton foi fazer na Inglaterra, tinha algo a ver com a história do gêmeo e Lescaut não gostou. 

          Dennis se afastou quando ouviu passos em direção a porta. Entrou no próprio quarto em frente e pela fresta os viu descer de mãos dadas. Era a oportunidade que queria para entrar no quarto do casal. Precisava dar outra olhada.  Entrou devagar e apenas recostou a porta.  

           O quarto era confortável e espaçoso. A cama imensa. Havia dois cestos ao lado direito prontos para receberem os bebês que pela previsão nasceriam em uma semana. Tocou o pequeno cesto enfeitado nas cores azul, branco e dourado. Ao lado, outro cesto em vermelho, dourado e branco. Não usavam rosa... O pensamento veio sem entender porque. Seriam lindos bebês. A mãe era linda e o pai um assassino frio.  

        Um assassino frio teria tanto amor pela esposa? Ruth Lescaut estava com a barriga imensa e o sorriso maior ainda. Caminhava devagar e sempre tinha as mãos tocando o ventre em um gesto protetor. As vezes fazia uma pequena careta como se estivesse com dor. Era o bastante para o marido correr para o lado dela, carregá-la e deixá-la confortável em algum sofá. Insistia para que estivesse sempre descansando.  

           O médico ia até a casa uma vez por dia e enquanto a examinava Lescaut andava de um lado para outro na sala e, às vezes, mordia a canto do dedo indicador em um gesto nervoso e ao mesmo tempo infantil. Era visível que estava preocupado e ansioso com a hora do parto. 

           Por um momento considerou a hipótese dele ser inocente. Se fosse teria que pedir desculpas. Pegou uma foto do casal, no dia do casamento. Ruth Lescaut sorria feliz. Olhou a foto, depois os cestos. E se ele fosse inocente? Gêmeos idênticos não eram assim tão raros e geneticamente eram iguais. Colocou a foto no lugar. Olhou a cama desfeita e a foto. Eles se amavam. E tanto amor existiria no coração de um psicopata? 

◆◆◆ 

            ─ Agente Blake pode vir até o escritório, por favor? Gostaria de falar com você. 

           Leigh pediu educadamente assim que terminou o café da manhã. Dennis fez um ar contrariado e o acompanhou. O agente já sabia que naquele espaço só se entrava quando convidado pelo dono da casa. Queria fazer uma nova revista no local e até tentou durante a noite por duas vezes e encontrou a porta trancada.  

            ─ Sente-se por favor. ─ Leigh convidou apontando a poltrona. 

            ─ Estou bem de pé. ─ Blake retrucou colocando as mãos nos bolsos da jaqueta. 

            Não estava ali para ser educado.  

           ─ Que seja. ─ Leigh deu os ombros sentando em frente a antiga mesa em estilo vitoriano. Parecia mais velho e maduro. ─ Quero convidar o Pastor Johnson para vir até aqui pegar minha confissão. 

            ─ Finalmente vai confessar? ─ Exclamou debochado. 

         ─ Vou confessar os meus pecados ao pastor. Não é esta a confissão que anseia. A que deseja não posso fazer pois sou inocente dos crimes que me acusam. ─ Blake fez um ah de desapontamento. Leigh quase riu. ─ Quero convidar o pastor e depois da confissão me recolher em oração por dois dias. 

            ─ Se recolher... onde? 

            ─ Aqui. Dois dias de meditação. Sozinho. 

            ─ Sozinho? Nesse cômodo? 

            ─ Sim. 

            ─ Por dois dias? 

            ─ Sim. 

           ─ Não. Pode até convidar o tal pastor e conversar com ele o tempo que quiser. Deus queira que ele arranque de você uma confissão verdadeira, mas sob hipótese alguma você vai passar dois dias trancado neste cômodo. 

            ─ Não vou ficar trancado. Apenas não posso ser incomodado. 

            ─ O que vai fazer? Sentar e meditar? 

           ─ Algo parecido. Após a confissão vou me purificar em dois dias de oração e jejum. Vou sentar naquele tapete e meditar... orar... por dois dias inteiros sem parar. E um rito de purificação para poder receber meus filhos. O que peço apenas e que ninguém me toque ou me interrompa, seja qual for o motivo. 

            ─ Aqui? 

            ─ Sim. ─ Leigh repetiu com paciência. 

         ─ Não. ─ Dennis rebateu olhando as grandes janelas que davam para o jardim dos fundos. Uma fuga dali em plena madrugada seria simples. 

     ─ Não pretendo fugir durante a madrugada agente Blake. ─ Lescaut disse como se tivesse lido seu pensamento. ─ Nunca partiria sem minha esposa e minha mãe. E acha que posso levá-las comigo em uma fuga alucinada? 

            ─ Se estivesse no meu lugar você descartaria a possibilidade? 

          ─ Não. ─ Concordou sério e Dennis se surpreendeu. ─ Dou-lhe minha palavra que não vou fugir. Não pretendo passar o resto da minha vida fugindo pelo mundo. Meus filhos nascem em uma semana e eu não os condenaria a crescer em fuga. Já vivi assim. Sei o quanto isso é ruim. 

        ─ Sua palavra vale pouco para mim, Lescaut. A resposta continua sendo não. Não o quero sozinho por tanto tempo. Reze o quanto quiser desde que esteja sob minhas vistas. Fui claro? 

            ─ Então convido-o a participar comigo. ─ Rebateu frio.─ Vou ligar para o pastor. 

          ─ Largue o telefone. ─ Dennis mandou. Leigh obedeceu devagar. ─ Não pode usar isso. Peça a mamãe para ligar para seu padre. ─ Completou grosseiro.  

           ─ Já entendi agente. ─ Leigh levantou encerrando a discussão ─ Vou pedir a minha mãe que fale com o pastor. Logo que ele sair vou me recolher em oração. Espero que tenha disposição para sentar e ficar observando. ─ Apontou o sofá no canto.  

            ─ Não pense que vou passar a madrugada aqui. 

            ─ Eu vou. Se não ficar o problema será seu, não meu. ─ Leigh concluiu a conversa abrindo a porta.  

          Esperou Dennis sair e fechou sem trancá-la. Sem outro olhar para o policial seguiu em direção a sala principal, largando-o no corredor. Dennis esperou alguns segundos e girou a maçaneta. Inexplicavelmente a porta não abriu. Forçou um pouco acreditando que ela estava emperrada. Nada. Repassou os últimos segundos. Não viu Lescaut trancar a porta. Tentou outra vez. Como? Ah, agora que ele não iria ficar ali sozinho de modo algum.  

            Retornou a sala contrariado. Lescaut conversava com a mãe.  

           Eva Rollins deu ao agente um olhar ofendido quando pegou o telefone e ligou para o Pastor. Lescaut trancou-se no quarto e só saiu quando o clérigo chegou.  

           Novamente usava trajes próprios de seu país. O ver trajando aquele tipo de roupa dava a impressão de voltar no tempo. Seguidos de perto de Dennis Blake, ambos foram para os fundos da casa e conversaram no jardim. Lescaut ajoelhava-se e orava e voltava a levantar e falar com o pastor. Dennis até que entendia porque as pessoas acreditavam nele. Toda aquela dedicação... Tentava se sucesso lembrar quantas vezes o viu ajoelhado. Mesmo assim sentia algo muito errado naquela história. O celular tocou cortando seus pensamentos.  

            Do outro lado da linha Matt Dowling estava levemente eufórico. 

            ─ Dennis, venha para o hospital agora!! 

            ─ O que aconteceu? 

          ─ O cara que atacou Lescaut acordou. E você tem que ouvir a versão dele. Asher já está a caminho. A máscara de bom moço de Lescaut caiu de vez. 

          Antes que pudesse retrucar o parceiro desligou. Ele ficou olhando para o telefone por alguns segundos tentando assimilar o que ouviu. Colocou o aparelho no bolso tomando uma decisão rápida. Falou com os outros policiais avisando que voltaria em algumas horas. Os repórteres de plantão abriram caminho quando ele passou apressado e saiu cantando os pneus.  

◆◆◆ 

           Não demorou a chegar ao hospital. O distintivo abria as portas e logo ele estava ao lado da cama de Lyon Goinne, interno da prisão de Santa Fé. Eric Asher também já havia chegado e parecia tão curioso quanto Blake.  

         ─ Goinne este é o agente Dennis Blake, responsável pela prisão de Lescaut e este o promotor Asher. Que tal repetir a eles tudo o que me contou? 

            ─ E o que eu ganho com isso? ─ O detento falou arrastado.  

            ─ Depende do que tem a oferecer. ─ Asher respondeu sério. 

            ─ Quero redução de pena. 

            ─ Está cumprindo duas perpetuas. Não dá para reduzir isso. Talvez eu possa lhe conseguir alguns benefícios. 

            ─ Nada feito. Sem redução, sem depoimento. 

          ─ Se você repetir oficialmente tudo o que me contou vai jogar Lescaut na prisão pelo resto da vida. ─ Matt disse sério. 

            ─ E ele volta para Santa Fé? 

            ─ Com certeza. ─ Asher garantiu. ─ Se for condenado é pra lá que vai. 

            O preso pensou e decidiu. 

         ─ Vale a pena. ─ Os novos expectadores sentaram ao lado da cama e ele tentou se acomodar melhor. Bufou frustrado sem conseguir se mover. ─ Lescaut arrumou toda a confusão por causa de um cara.  

            ─ Um cara? ─ Asher perguntou sem entender. 

          ─ É. Um cara. Ele gamou. Ninguém podia tocar. Conseguiu que o sujeito fosse levado para a cela dele e passaram a semana bem juntinhos.  

            ─ Está dizendo que Lescaut transou com um cara na prisão?! ─ Dennis perguntou surpreso. 

         ─ Ah, sim. E como transou!! Na verdade, ele gamou. Enfrentou metade do pessoal para só ele foder o rapaz. E sinceramente o garotão vale. É bem jeitoso! Lescaut deu uns beijos quentes e logo se apaixonou. E por causa disso que estou aqui nessa cama. Levei o tiro quando fui lembrar Lescaut que a gente queria curtir também. 

            ─ Conte tudo. Do começo. ─ Asher mandou. 

          ─ Chegou um grupo de novatos. A gente pegou eles aos poucos. Deixamos o mais jeitoso para o fim. O moleque era lindo e logo que chegou até Lescaut o notou. Como era o mais gostoso marcamos uma... uma coletiva. ─ Riu sarcástico. ─ O moleque era bom de briga e escapou algumas vezes. O safado sabia que cedo ou tarde a gente o pegava de jeito então ele grudou em Lescaut que o aceitou de bom grado. Por cortesia, por Lescaut ser quem é, permitimos que ele fosse o primeiro. Demos tempo para se divertir. E, cara ele curtiu uma semana. Curtiu muito. Até conseguiu que o sujeito fosse levado para a cela dele. A noite era cheia de gemidos e sussurros. Durante o dia o lençol era colocado na porta toda hora. Depois de uma semana a lua de mel acabou e os pombinhos deixaram a cela juntinhos. No pátio eu fui lembra-lo, gentilmente que o menino era nosso, que o ceder foi uma cortesia e que ainda queríamos a festa. Lógico que Lescaut não gostou e aí brigamos. Acabei aqui e ele em casa. 

            ─ Está dizendo que tentou matar Lescaut por causa desse rapaz? ─ Asher. 

           ─ Não iria matar ele. Sabe como é, todos tem direito. Lescaut curtiu uma semana. Era hora de partilhar. Ele não quis. Disse que não gostava de uso coletivo. Então tínhamos que convencê-lo. Os guardas se meteram e atiraram. Lescaut levou um tiro no ombro e eu fiquei inútil da cintura para baixo. 

        ─ A versão que temos é que os tiros foram um atentado contra o travesti Andrea que trabalhava como informante. ─ Blake disse. ─ Lescaut o protegeu com o próprio corpo quando o guarda atirou. Você estava perto, pronto para esfaquear Lescaut e por isso foi atingido. 

         ─ Lógico que foi isso que contaram. A bicha estava no meio sim. Lugar errado, hora errada. Ela e Lescaut se davam muito bem, viviam juntos antes de o garoto aparecer. Não duvido que se enroscassem também. Se quiser pode ir até a prisão e falar com os caras. Todos viram Lescaut e o cara juntos. Lescaut curte um rabo tanto quanto eu. O sujeito era um cachorrinho atrás dele o tempo todo. 

            ─ O nome do rapaz? ─ Asher perguntou sério. 

            ─ Bradley Weston. O anjo. Foi como Lescaut o chamou. O anjo. 

◆◆◆ 

          Eva estava na casa do filho há dias. Encantada com a gravidez da nora ajudava-a a organizar os quartos que os bebes que ocupariam a partir do terceiro mês. Até lá ficariam no quarto do casal em dois pequenos cestos que já estavam prontos. Soube que Leigh havia herdado todos os bens da casa dos Conanlescaut por ordem do conselho. Conversaram muito e Ruth resumiu os últimos doze anos da vida do marido. Eva ficou admirada de como ela tinha aprendido a língua e se adaptado aos costumes praticados pelos Koryak. 

            ─ Vivi lá durante dez anos e nunca aprendi um terço do que você sabe.  

           ─ Eu passei muito tempo com Leigh. Era apenas ele e eu. Conversávamos muito e aprendemos tudo um do outro. ─ Ruth disse simples desviando o olhar. 

            ─ O que ensinou a ele? 

          ─ A curtir rock, aproveitar uma praia. ─ Pensou um pouco ─ A ser jovem. Ele era muito tenso e não conseguia relaxar. 

            ─ Vladimyr o fez sofrer, não é? 

           ─ O Chanceler faz todo o povo sofrer. A história resumida que contamos a polícia foi a mais próxima da verdade que pudemos contar. Ele faz coisas horríveis contra quem o desafia e rege Koryakia com mão de ferro. Caça, prende e condena como traidor qualquer um que discorde de seu governo. E Leigh se sente responsável. 

            ─ Responsável? 

            ─ Por ser Hansalexius.  

            ─ Ele acredita na lenda? ─ Ruth concordou silenciosa . 

         ─ É apenas um nome!! Imagine o que a revelação da existência do gêmeo provocou nele! Deve estar muito confuso. Foi a matrioska colocou isso na cabeça dele? 

            ─ Ela disse que ele tem muitas coisas a organizar neste ciclo.  

            ─ Ela ainda é viva? 

            ─ Viva e saudável. 

          ─ Você sabe que ela é tataravó de Alex? Ela era avó do pai de Vladimyr e da mãe dele que eram primos. Aliás, todos ali são netos dela de um jeito ou de outro. Reno e Nicolai também eram bisnetos. Eu nunca entendi as ramificações da família. Havia muito casamentos próximos. Ela já tem mais de cem anos?  

            ─ Talvez. ─ Ruth disse com um sorriso estranho.  

           Deixaram o quarto das crianças e ainda no andar superior e foram se acomodar no quarto de costuras. Os teares antigos e os quadros chamaram a atenção de Eva que reconheceu as peças. 

           ─ Estas peças eram da casa de Narile. Não tive coragem de usá-las enquanto morei lá com Alex. ─ Tocou o tear manual. ─ Tudo isso é muito antigo. 

            ─ Tem mais de duzentos e cinquenta anos. ─ Ruth contou. 

          ─ Lembro-me de Narile tecendo nessa peça. Ela até que tentou me ensinar, mas eu não tinha talento para este tipo de trabalho. Ainda vejo Hannya brincando de esconder por baixo da seda recém transformada em tecido. 

            ─ Lembra de Hannya? ─ Ruth perguntou olhando-a com um meio sorriso. 

          ─ Sim. Lembro-me dela nitidamente. Reno não conseguia enganá-la em nada. Era muito esperta. Eles brincavam de enigmas todas as manhãs e quem vencia era ela. Mesmo nos mais complexos Hannya descobria. Eu me sentia meio mal perto dos dois. 

            ─ Se sentia mal? Tinha ciúmes? 

         ─ Não era ciúme. ─ Sentou frente ao tear. ─ Era mais um sentimento de inveja por tanta cumplicidade. Eles eram uma família e eu... ...me sentia perdida demais para fazer parte dela.─ Ruth sentou ao lado dela. Sorriu. 

          ─ Você é parte dela Eva. Foi a destinada a trazer Hansalexius de volta. Isso é uma grande honra. Foi a primeira vez que ele voltou pela semente de uma estrangeira.  

            ─ Eu não gerei Hansalexius. Foi Olga que... 

          ─ Olga o gestou. Você o gerou. Você é a mãe biológica de Leigh. A matrioska o tirou de dentro de você e o colocou em Olga, porque você ocultou que gestava. Não contar que estava grávida não deu ao seu marido a chance de permanecer ao seu lado, dividindo-se o necessário para formar a criança que sugava toda sua energia. Ambos morreriam se ela não tivesse feito o que fez. ─ Pegou a mão dela e as colocou sobre o ventre. Um dos bebê se moveu e ambas sorriram ─ Estes bebês são seus netos. Um de sangue e outro de essência. 

            ─ O que você está dizendo... é impossível de acontecer. 

            ─ Ah! Eva. Sua razão ainda é cética demais para crer no impossível. 

◆◆◆ 

            ─ Queremos informação sobre seu relacionamento com Alexius Leigh Lescaut. 

        Dennis disse sério assim que Bradley Weston sentou. O carcereiro saiu e garoto levantou um pouco os olhos. Olhou os dois agentes e o homem no canto. Sabia quem eram. Lescaut havia dito que viriam. Também sabia o que aconteceria se falasse. Um frio intenso correu pela espinha. Apertou os olhos. 

            ─ Não conheço ninguém com esse nome. 

            ─ Ora rapaz... você ... 

            ─ Calma Blake. ─ Asher falou se aproximando. ─ Quantos anos tem filho? 

           ─ Tenho certeza que sabe minha idade. ─ Respondeu frio. Levantou um pouco a cabeça jogando os cabelos para trás. Recostou na cadeira e olhou diretamente para o homem que falava. 

          ─ Tem razão, eu sei. Sei também o que já fez na vida. Sei porque está aqui. E acredito em você quando afirma que agiu em defesa de uma jovem. 

            ─ Bom. Obrigado. 

         ─ Como promotor chefe do estado posso resolver esse mal-entendido. ─ Asher pegou a ficha dele. ─ Cinco anos. Posso reduzir para um. Com bom comportamento sai em seis meses. O que acha? ─ Os olhos do rapaz brilharam interessados. 

            ─ E o que é que eu tenho que fazer para isso acontecer? 

       ─ Apenas contar tudo o que aconteceu entre você e Lescaut. Com detalhes. Com os mais ricos e picantes detalhes. Não queira nos poupar. Queremos saber tudo o que ele fez com você e o que o obrigou a fazer com ele. 

            ─ Proposta interessante, mas não obrigado. Seis meses é muito tempo aqui. Não vou viver tanto se falar. 

        ─ Também posso providenciar para que seja transferido. Pode cumprir pena longe de prisões de segurança máxima. Há locais onde pode até trabalhar e quando sair terá algum dinheiro. ─ O mesmo brilho no olhar. 

            ─ Como vou saber se está dizendo a verdade? 

           ─ Providencio a redução de pena com um telefonema. A transferência também. Assino todos os papéis bem aqui, na sua frente. Acabando o depoimento nós mesmos o escoltamos até um novo local, bem mais seguro do que aqui. 

            ─ Não vou depor. Vou morrer se depor no julgamento dele.  

          ─ Não será necessário. ─ Tirou um gravador do bolso e colocou sobre a mesa. ─ Basta você falar. Com detalhes. 

◆◆◆ 

        Leigh não se surpreendeu quando soube que o agente saiu. Cedo ou tarde os outros presos seriam ouvidos e dariam a versão dos fatos. Pouco importava. Bradley não falaria. Despediu-se do pastor na porta e se deixou fotografar pelos repórteres. Entrou e subiu com passos rápidos. Passou pela mãe e pela esposa no corredor e deu um beijo em cada antes de entrar no próprio quarto. Ruth o seguiu a tempo de vê-lo tirar de um fundo falso de uma gaveta no closet um relógio antigo e quatro pequenas peças em forma de cubo.  

            ─ Vai mesmo? 

         ─ Tenho que ir. Preciso falar com Sarkivon antes do nascimento para saber qual a hora exata que janela será aberta. Uma falha de segundos e podemos perder Oleg. 

            ─ Acha que está forte o bastante para se deslocar? O ferimento não esta aberto? 

            ─ Estou bem. Já me recuperei. Isso não é nada. 

            ─ O Chanceler pode senti-lo. Sentir o deslocamento. ─ Ela estava com medo.  

            ─ Estamos longe demais para que ele sinta. E não uso meus dons. Peguei alguns enquanto estive na prisão. 

            ─ Tirou dons do garoto? Poderia tê-lo matado! 

          ─ Ele cedeu. Expliquei que precisaria de tudo o que pudesse reunir e ele cedeu voluntariamente. Nunca os tinha usado, sequer sabia que tinha. Não farão falta por enquanto. ─ Enquanto falava trocava de roupa. Vestiu o Ihram e se aproximou da esposa. Estendeu a mão para tocá-la, e recuou. ─ Não se preocupe. 

            ─ O que digo para Blake? 

          ─ Apenas não permita que ele me toque. Se precisar use isso. ─ Colocou uma das peças em forma de cubo na mão da esposa. ─ Aperte e volto na mesma hora. 

            ─ Que Deus o acompanhe. 

            ─ Que Ele também fique contigo. 

◆◆◆ 

        Blake voltou para a casa de Lescaut irritado por não poder acompanhar o depoimento de Bradley Weston. O menino era esperto. Recusou-se a falar antes de ter os papeis do acordo assinados e homologados por um juiz. 

As primeiras investigações confirmavam as declarações de Lyon Goinne.  

        Lescaut pediu ao diretor para colocar o garoto na cela dele e ambos passaram muito tempo juntos durante a semana. Se provassem que fizeram sexo comprovaria a dualidade do réu e o caso estaria encerrado. E finalmente o maldito iria para o corredor da morte. Lamentava pela esposa e pelas crianças. Tinha certeza de que era muito mais seguro para todos se Lescaut fosse executado.  

         Entrou na casa e não demorou a encontrar seu prisioneiro sentado em posição de meditação sobre o tapete no escritório. O guarda informou que ele já estava na mesma posição há mais de uma hora. Dennis se aproximou. Lescaut mantinha os olhos fechados e estava completamente imóvel, não se moveu nem mesmo quando balançou a mão no ar em frente ao rosto dele. Mal parecia respirar. Afastou-se. 

           Em algum lugar dentro daquele homem havia um monstro. Um monstro que cabia a ele destruir. 

◆◆◆ 

       Começava a anoitecer quando Michael chegou. Vinha direto do aeroporto. Holly, o pegou no aeroporto e não estranhou quando o chefe pediu para irem direto para a casa da filha. Yuri abriu a porta e os deixou entrar como de costume. Um agente estava largado em uma poltrona no meio do corredor olhando para dentro do escritório através da porta aberta.  

            Michael ficou sem entender até localizar o genro sentado no chão. 

            ─ Há quanto tempo ele está assim? 

          ─ Seis horas. Não move um músculo. ─ O agente contou admirado e se ajeitou novamente na cadeira. ─ Nem sei como consegue. Acho que daqui a pouco levanta.  

            ─ Quanto tempo ele disse que dura a purificação? ─ Michael perguntou divertido. 

           ─ Um dia ou dois. Duvido que consiga ficar mais uma hora. 

          ─ Já o vi ficar assim 14 horas seguidas. Se ele disse um dia ou dois, não duvide que faça. ─ Deixou o agente e voltou para a sala onde Holly e Eva conversavam. ─ Onde está Ruth? ─ Perguntou. ─ Temos ótimas notícias. 

            ─ Lá em cima. ─ Eva respondeu. ─ Não estava muito bem. Foi ler e descansar. 

           ─ Blake? ─ Holly perguntou baixo estranhando a ausência do agente sempre tão atento as movimentações das pessoas na casa. 

            ─ Foi jantar. ─ Eva riu divertida. ─ Cansou depois de passar horas olhando para Alex. 

            ─ Para ele é incompreensível o que seu filho está fazendo. 

          Dennis Blake voltava à sala apressado depois de ouvir a campainha. Sabia que seus homens tinham ordens claras sobre quem estava ou não autorizado a entrar na casa mesmo assim não gostava de visitas, principalmente à noite. 

            Quando viu Melton fez uma careta de desagrado.  

            ─ Já voltou? ─ Perguntou debochado. 

            ─ Sim. Teve algum problema com meu cliente enquanto estive fora? 

            ─ Não. ─ Olhou para o agente no meio do corredor. ─ Ele não saiu de nossas vistas. Nem um segundo. 

            ─ Então imagino que tenha dormido com ele. 

        ─ Não. ─ Blake sorriu malicioso ─ Se bem que dormir com um homem não deve ser novidade... ...para seu cliente. 

        Michael fechou a expressão. Ignorou o agente, pediu licença a todos e subiu para ver a filha. Encontrou Ruth acomodada na sala de costura com um livro no colo. 

          ─ Ady ─ Ela disse feliz assim que ele entrou. Fez menção de levantar, mas Michael a impediu com um beijo no rosto. O sorriso no rosto da filha o fez se corroer de vergonha. Ele disfarçou bem o sentimento e sorriu de volta. Afinal tudo o que fez nas ultimas duas semanas foi para ajudar o marido dela. "Mentiroso, mentiroso, mentiroso." sua consciencia interior gritou.  

            ─ Como você está? ─ Perguntou para a filha sentando em frente a ela. 

            ─ Estou bem. Apenas cansada. Como foi a viagem? 

         ─ Foi muito produtiva. Temos ótimas notícias. ─ Acariciou o rosto da jovem. ─ Trouxemos provas concretas de que Leigh não tem nada a ver com os crimes. O pesadelo acabou. 

            ─ Oh!! Ady! ─ Animada a garota jogou-se nos braços dele e Michael a abraçou. 

           Fechou os olhos e reviu outro par de olhos azuis e outro sorriso confiante em sua mente. Afastou a imagem. O que estava feito, estava feito. Ninguém nunca saberia. Foi uma loucura que também acabou. 

            ─ Ruth eu quero mostrar tudo a você e ao seu marido antes de entregar as provas para a promotoria.  

            ─ Leigh está em oração. 

            ─ Eu vi. Quero interrompe-lo. 

           ─ Ele não pode ser interrompido. Pelo menos não hoje. É um rito importante para o nascimento dos bebês. Ainda não cumpriu metade. Talvez em algumas horas. Volte amanhã e poderão conversar. Ou se preferir passe a noite conosco.  

            ─ Não é uma boa ideia. Estou com Holly e já fiquei muito tempo longe de casa. 

            ─ O que houve Ady? ─ Ruth perguntou notando o ar cansado ─ Está estranho. 

        Michel baixou a cabeça. Mesmo sabendo que ninguém nunca desconfiaria sentia-se envergonhado e não conseguia olhar a filha nos olhos. Para disfarçar se afastou. 

            ─ Apenas cansaço. Vou para casa. Volto amanhã de manhã. 

            ─ Está bem. Te acompanho até a porta. 

            ─ Não precisa. ─ Recusou não querendo cansa-la. 

        Ruth já levantava buscando apoio nos braços da poltrona. O pai estendeu a mão e a ajudou. Ela agradeceu sorrindo e deu mãos dados deu um passo e parou. Arregalou os olhos e Michael a sentiu estremecer.  

            ─ Ruth... o que foi? 

            ─ Ady... ─ gemeu. Olhou para baixo. 

            Um filete de liquido escorria pelas pernas encharcando o tapete.  

Nora Stone pseudônimo registrado de
N. F . A. Rocha -  
CPF 261.xxx.xxx-06  - Rua Peri, 105 - Embu das Artes- SP Tel (11) 932042943 -
E-mail norastoneescritora@gmail.com

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Todos os direitos reservados - ISBN  978-85-920569-0-2
Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida. 

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